O último cigarro.
- Ruth Collaço

- 14 de mar.
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de mar.
-Qual será o sabor de sangue na boca?
Pensou para si enquanto, engolia a seco as lágrimas de humilhação que lhe dera a beber. A vontade que tinha é agarrar-se à sua carótida até não sentir mais força. Força que precisava inventar para aguentar e calar. Força de se manter erguida a força, força, força....
- merda de força que não me larga.... para ser cobarde bastava tão pouco e para ser forte é preciso tanto porquê?!"
Esta cidade está de mais, tanta gente, meu deus! Para onde vai tanta gente lá em baixo? Parecem formigas!
De repente voltou para o dia em que sentada na torre, com as pernas para o lado de fora, se irritou. Mas irritou mesmo!
A cidade sempre tão cheia de gente, não havia um lugar que fosse onde tivesse um pouco de privacidade.
- Caramba, já nem para se atirar uma pessoa tem paz!"
O dia estava quente para o mês de dezembro. Lá em baixo as pessoas movimentavam-se como formigas, quando se encontravam umas com as outras lá no passeio….
Com uma diferença, enquanto que as formigas se encontram e trocam informação vital umas com as outras, nós os seres racionais, evitamo-nos uns aos outros. (Surpreendeu-se quando ouviu a sua própria voz. - Olha, só me faltava esta, a falar sozinha!)
De sacos nas mãos e olhos desconfiados, atrasados, stressados, envergonhados, humilhados, alienados.... corriam como se estarem fechados em casa fosse a única saída possível para um dia louco de ... correr para o trabalho, ou será para o trabalho?
Por momentos o seu pensamento divagou... segui com o olhar uma mãe e um filho... - Meu Deus que saudade atroz!
Voltou à torre.
Lembrou-se do momento e ardeu-lhe o peito. Levou a mão ao peito, embrulhou dedos à volta da echarpe e apertou, juntou o punho fechado ao peito, como se na palma da mão guardasse em segredo a razão de ali estar.
O vento soprava suavemente no rosto, sentia os caracóis ligeiramente no ar, quando de pernas penduradas se preparava para ter a ultima conversa consigo mesma, um caracol teimoso entrou-lhe an vista. Aflita com o ardor nos olhos.... - Senhor! arde-me tudo!" afastou o cabelo do rosto, queria olhar antes de voar.... sim voar, porque cair já não conseguia cair (mais fundo do que já caíra).
- desta... é agora...
- O que é que pensas que estás a fazer? ouviu a voz de um homem atrás dela.
Irritou-se!
- Nem aqui?! Caramba, já nem para se atirar uma pessoa tem paz!? refilou. com raiva e desespero olhou rodou o dorso para trás. - Não tem nada a ver com isso. Não tem mais que fazer que vir para aqui a horas de trabalho.
- Até tenho, mas apeteceu-me fumar um cigarro. Mas ainda não me disseste o que pensas fazer, aí sentada.
Contrariada e já com mais água que vento no rosto disse - Estou cansada, deixe-me estar, por favor.
- Vais saltar?
- Vou. Porquê?
De queixo tenso e ar descontraído, acendeu um cigarro. De cabeça ligeiramente inclinada para trás, inalou...fechou os olhos, também a ele lhe sobrava água nos olhos.
Dentro dele corriam rios de tristeza. Dentro dela escondia-se o delta... ponto de entrega de uma água à outra.
- Se esperares um pouco, e me fizeres companhia neste último cigarro, explico-te porquê. Fumas?
- Que se lixe, não me há-de matar… disse ironicamente. de olhos rasos, perguntou. “último cigarro?... vai deixar de fumar?!"
(que pergunta tão estupida para quem está prestes a saltar, fazer!)
- Vou. Vou deixar de fumar.... salto e deixo de fumar. Desta vez foi ele a devolver a ironia ...
Fitaram-se olhos nos olhos.
O pensamento de cada um acelerava e corriam no corredor da consciência. Salvar ou morrer? Mas... só porque eu quero saltar, não tenho que o ajudar a saltar.... mas que merda, pensou ele... só porque eu já não aguento mais, não quer dizer que a vou dar uma ajuda para saltar também.
- Filhos da mãe dos homens, que mania de controlar e mandar e manipular. A sério que até hoje ,e confronto com isto? mas quem é que ele pensa que é? gritava-lhe o pensamento. a morte chamava, tinha pressa.... como podia de repente sentir-se tão viva?!
- Gajas...São todas iguais! metem-se na vida de um gajo e sem darmos conta, dão-nos a volta com uma pinta que até mete raiva.... rangia os dentes para que as palavras não lhe escapassem dos lábios.
Dois corpos, dois corações, dois seres...
- Vá la, disse ele, fuma lá um comigo. Estás com medo de fumar? perguntou sarcástico e belo.
(belo? eu acho-o belo e o parvo quer que eu fume. Está para aqui a -- Eu não tenho medo! não quero é perder a força (... força....força....) de fazer o que quero! inalou... há dias que já não fumava (já nem trocos para o tabaco....), sentiu um ligeiro alivio e bem estar, como se de repente tudo se limita-se aquele pequeno trave no cigarro dele. - e Tu, (já desistir de formalidades) que vieste cá fazer...?
- O mesmo que tu!
Sentaram-se lado a lado no chão...
Costas encostadas ao varandim...
Quando as pernas dela tocaram as dele, partilharam então o último cigarro como se fosse um pecado, e o silêncio como se fosse um segredo.
Dentro dele corriam rios de tristeza. Dentro dela escondia-se o delta... ponto de entrega de uma água à outra.
E lá em baixo, as formigas corriam e as pessoas fugiam.
(Tirado de um conto.)
Ruth Collaço
Ventos Sábios - Ruth Collaço

Li,voltei a ler e gostei!!!